Zusammenfassung der Ressource
O Serviço Social na Cena Contemporanea. IAMAMOTO
- Este texto, de caráter introdutório ao curso de especialização Serviço Social: Direitos Sociais e
Competências Profissionais, propõe apresentar uma visão panorâmica do Serviço Social na
atualidade, considerando esta temática central.
- Introdução
- O discurso competente é crítico quando vai à raiz e desvenda a trama submersa dos conhecimentos
que explica as estratégias de ação. Assim a competência crítica supõe:
- a) um diálogo crítico com a herança intelectual incorporada pelo Serviço Social e nas
autorrepresentações do profissional, cuja porta de entrada para a profissão passa pela história da
sociedade e pela história do pensamento social na modernidade, construindo um diálogo fértil e
rigoroso entre teoria e história;
- b) um redimensionamento dos critérios da objetividade do conhecimento, para além daqueles
promulgados pela racionalidade da burocracia e da organização, que privilegia sua conformidade
com o movimento da história e da cultura.
- Exige um profissional culturalmente versado e politicamente atento ao tempo histórico; atento para
decifrar o não-dito, os dilemas implícitos no ordenamento epidérmico do discurso autorizado pelo
poder;
- c) uma competência estratégica e técnica (ou técnico-política) que não reifica o saber fazer,
subordinando-o à direção do fazer. Os rumos e estratégias de ação são estabelecidos a partir da
elucidação das tendências presentes no movimento da própria realidade, decifrando suas
manifestações particulares no campo sobre o qual incide a ação profissional.
- O Serviço Social Brasileiro Contemporaneo
- Feição acadêmico-profissional e social renovada
- Voltado para a defesa dos trabalhadores
- Do amplo acesso a terra para a produção dos meios de vida
- ao compromisso com a afirmação da democracia, da liberdade, da
igualdade e da justiça social no terreno da história.
- Nessa direção social, a luta pela afirmação dos direitos de cidadania, que reconheça as
efetivas necessidades e interesses dos sujeitos sociais, é hoje fundamental como parte do
processo de acumulação de forças em direção a uma forma de desenvolvimento social
inclusiva para todos os indivíduos sociais.
- Esse processo de renovação crítica do Serviço Social é fruto e expressão de um amplo movimento
de lutas pela democratização da sociedade e do Estado no país, com forte presença das lutas
operárias, que impulsionaram a crise da ditadura militar: a ditadura do grande capital
- Foi no contexto de ascensão dos movimentos políticos das classes sociais, das lutas em torno da
elaboração e aprovação da Carta Constitucional de 1988 e da defesa do Estado de Direito, que a
categoria de assistentes sociais foi sendo socialmente questionada pela prática política de diferentes
segmentos da sociedade civil.
- Nesse lapso de tempo, o Serviço Social brasileiro construiu um projeto profissional radicalmente
inovador e crítico, com fundamentos históricos e teórico-metodológicos hauridos na tradição
marxista, apoiado em valores e princípios éticos radicalmente humanistas e nas particularidades
da formação histórica do país.
- Os(as) assistentes sociais atuam nas manifestações mais contundentes da questão social, tal
como se expressam na vida dos indivíduos sociais de distintos segmentos das classes subalternas
em suas relação com o bloco do poder e nas iniciativas coletivas pela conquista, efetivação e
ampliação dos direitos de cidadania e nas correspondentes políticas públicas.
- Os espaços ocupacionais do assistente social
- têm lugar no Estado – nas esferas do poder executivo, legislativo e judiciário –, em empresas
privadas capitalistas, em organizações da sociedade civil sem fins lucrativos e na assessoria a
organizações e movimentos sociais.
- Esses distintos espaços são dotados de racionalidades e funções distintas na divisão social e técnica
do trabalho, porquanto implicam relações sociais de natureza particular, capitaneadas por
diferentes sujeitos sociais, que figuram como empregadores (o empresariado, o Estado, associações
da sociedade civil e, especificamente, os trabalhadores).
- Elas condicionam o caráter do trabalho realizado (voltado ou não à lucratividade do capital), suas
possibilidades e limites, assim como o significado social e efeitos na sociedade.
- Nesses espaços profissionais os(as) assistentes sociais atuam na sua formulação, planejamento e
execução de políticas públicas, nas áreas de educação, saúde, previdência, assistência social,
habitação, meio ambiente, entre outras, movidos pela perspectiva de defesa e ampliação dos
direitos da população.
- Sua atuação ocorre ainda na esfera privada, principalmente no âmbito do repasse de serviços,
benefícios e na organização de atividades vinculadas à produção, circulação e consumo de bens e
serviços. Mas eles(as) também marcam presença em processos de organização e formação política
de segmentos diferenciados de trabalhadores (CFESS, 15/05/2008).
- Nesses espaços ocupacionais esses profissionais realizam assessorias, consultorias e
supervisão técnica; contribuem na formulação, gestão e avaliação de políticas,
programas e projetos sociais; atuam na instrução de processos sociais, sentenças e
decisões, especialmente no campo sociojurídico; realizam estudos socioeconômicos e
orientação social a indivíduos, grupos e famílias, predominantemente das classes
subalternas; impulsionam a mobilização social desses segmentos e realizam práticas
educativas; formulam e desenvolvem projetos de pesquisa e de atuação técnica, além
de exercem funções de magistério, direção e supervisão acadêmica.
- Os assistentes sociais realizam assim uma ação de cunho socioeducativo na prestação
de serviços sociais, viabilizando o acesso aos direitos e aos meios de exercê-los,
contribuindo para que necessidades e interesses dos sujeitos sociais adquiram
visibilidade na cena pública e possam ser reconhecidos, estimulando a organização
dos diferentes segmentos dos trabalhadores na defesa e ampliação dos seus direitos,
especialmente os direitos sociais.
- Competencias e atribuições. Lei 8.662 artigos 4º e 5º
- As competências expressam capacidade para apreciar ou dar resolutividade a determinado assunto,
não sendo exclusivas de uma única especialidade profissional, pois são a ela concernentes em
função da capacitação dos sujeitos.
- As atribuições são prerrogativas exclusivas ao serem definidas enquanto matéria, área e unidade de
Serviço Social.
- Ao longo dos três últimos decênios, o debate no Serviço Social foi polarizado por um duplo e
contraditório movimento: o mais representativo foi o processo de ruptura teórica e política com o
lastro conservador de suas origens
- em sinal contrário, verificou-se o revigoramento de uma reação (neo) conservadora aberta e/ou
disfarçada em aparências que a dissimulam, como já indicou Netto (1996), apoiada nos lastro da
produção pós-moderna e sua negação da sociedade de classes.
- Ela hoje atinge profundamente as políticas públicas, estruturadas segundo as recomendações dos
organismos internacionais consoantes os preceitos neoliberais.
- Verifica-se a tendência de fragmentar os usuários dessas políticas segundo características de
geração – jovens, idosos, crianças e adolescentes –, de gênero e étnico-culturais – mulheres, negros e
índios –, abordados de forma transclassista e em sua distribuição territorial, o que ocorre em
detrimento de sua condição comum de classe.
- Mas, a fragmentação dos sujeitos, descoladas de sua base social comum, pode ser incorporada no
âmbito do Serviço Social de forma acrítica em decorrência direta das classificações efetuadas pelas
políticas públicas.
- É nesse contexto que a família passa a ocupar lugar central na política social governamental, tida
como célula básica da sociedade, mediando a velha relação entre “homem e meio”, típica das
formulações profissionais ultraconservadoras.
- 1 O Serviço Social e (re)produção das relações sociais
- Desde a década de 1980, afirma-se (IAMAMOTO; CARVALHO,
1982) que o Serviço Social é uma especialização do trabalho
da sociedade, inscrita na divisão social e técnica do trabalho
social, o que supõe afirmar o primado do trabalho na
constituição dos indivíduos sociais.
- A reprodução das relações sociais na sociedade capitalista na
teoria social crítica é entendida como reprodução desta
sociedade em seu movimento e em suas contradições: a
reprodução de um modo de vida e de trabalho que envolve o
cotidiano da vida social.
- Ele refere-se à reprodução das forças produtivas sociais do
trabalho e das relações de produção na sua globalidade,
envolvendo sujeitos e suas lutas sociais, as relações de poder
e os antagonismos de classes.
- Esse modo de vida implica contradições básicas: por um lado,
a igualdade jurídica dos cidadãos livres é inseparável da
desigualdade econômica derivada do caráter cada vez mais
social da produção, contraposta à apropriação privada do
trabalho alheio.
- Assim, o processo de reprodução das relações sociais não é
mera repetição ou reposição do instituído. É, também, criação
de novas necessidades, de novas forças produtivas sociais do
trabalho em cujo processo aprofundam-se desigualdades e
são criadas novas relações sociais entre os homens na luta
pelo poder e pela hegemonia entre as diferentes classes e
grupos na sociedade.
- Reafirma-se, pois, a dimensão contraditória das demandas e
requisições sociais que se apresentam à profissão, expressão
das forças sociais que nelas incidem: tanto o movimento do
capital quanto os direitos, valores e princípios que fazem
parte das conquistas e do ideário dos trabalhadores.
- O exercício profissional é necessariamente polarizado pela
trama de suas relações e interesses sociais. Participa tanto
dos mecanismos de exploração e dominação, quanto, ao
mesmo tempo e pela mesma atividade, da resposta às
necessidades de sobrevivência das classes trabalhadoras e da
reprodução do antagonismo dos interesses sociais.
- O exercício da profissão exige um sujeito profissional que
tenha competência para propor, para negociar com a
instituição os seus projetos, para defender o seu campo de
trabalho, suas qualificações e atribuições profissionais.
- 2 Trabalho, questão social e Serviço Social na era das finanças
- A mundialização do capital tem profundas repercussões na órbita das políticas públicas, em suas
conhecidas diretrizes de focalização, descentralização, desfinanciamento e regressão do legado dos
direitos do trabalho.
- Ela também redimensiona as requisições dirigidas aos assistentes sociais, as bases materiais e
organizacionais de suas atividades, e as condições e relações de trabalho por meio das quais se
realiza o consumo dessa força de trabalho especializada.
- Ela afeta radicalmente as condições de vida, de trabalho, assim como as expressões políticas e
culturais dos distintos segmentos de trabalhadores aos quais se dirige a atividade profissional, em
decorrência da radicalização das desigualdades em um contexto de retração das lutas sociais ante os
dilemas do desemprego, da desregulamentação das relações de trabalho e da (re)concentração da
propriedade fundiária aberta ao grande capital internacional.
- Verifica-se uma ampla investida ideológica por parte do capital e do Estado voltada à cooptação dos
trabalhadores, agora travestidos em “parceiros” solidários aos projetos do grande capital e do
Estado.
- Essa multiplicidade de sujeitos e de formas de luta tem uma trama comum, oculta na diversidade de
suas expressões: a trama dos destituídos de todas as formas de propriedade afora a sua força de
trabalho – o conjunto dos membros das classes trabalhadores forjados na sociabilidade sob o
comando do capital.
- A sua sobrevivência depende da produção direta dos meios de vida ou da oferta de emprego pelo
capital – cada dia mais restrito e carente dos correspondentes direitos – para obtenção do
equivalente necessário à sua sobrevivência e preservação de patrimônio cultural.
- A questão social é indissociável da sociabilidade capitalista e envolve uma arena de lutas políticas e
culturais contra as desigualdades socialmente produzidas.
- Dispondo de uma dimensão estrutural – enraizada na produção social contraposta a apropriação
privada do trabalho, a “questão social” atinge visceralmente a vida dos sujeitos numa luta aberta e
surda pela cidadania.
- É na tensão entre produção da desigualdade, da rebeldia e do conformismo que trabalham os
assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos, os quais não é
possível abstrair – ou deles fugir –, pois tecem a trama da vida em sociedade.
- Foi decisivo o papel do Estado nos caminhos trilhados pela modernização “pelo alto”, em que as
classes dominantes se antecipam às pressões populares, realizando mudanças para preservar a
ordem.
- Como lembra Husson (1999, p. 99), o processo de financeirização indica um modo de estruturação
da economia mundial.
- A esfera estrita das finanças, por si mesma, nada cria. Nutre-se da riqueza criada pelo investimento
capitalista produtivo e pela mobilização da força de trabalho no seu âmbito.
- Os principais agentes do processo de financeirização são os grupos industriais transnacionais e os
investidores institucionais – bancos, companhias de seguros, sociedades financeiras de
investimentos coletivos, fundos de pensão e fundos mútuos -, que se tornam proprietários
acionários das empresas e passam a atuar independente delas.
- É preciso ressaltar o seguinte: os dois braços em que se apóiam as finanças – as dívidas públicas e o
mercado acionário das empresas –, só sobrevivem com decisão política dos Estados e o suporte das
políticas fiscais e monetárias.
- Daí a desindustrialização expressa no fechamento de empresas que não conseguem manter-se na
concorrência com a abertura comercial, redundando: na redução dos postos de trabalho; no
desemprego, na intensificação do trabalho daqueles que permanecem no mercado; na ampliação
das jornadas de trabalho; da clandestinidade e da invisibilidade do trabalho não formalizado,
- Esse processo afeta a cultura com mercantilização universal e indissociável descartabilidade,
superficialidade e banalização da vida.
- A sugestão é que a mundialização financeira unifica, dentro de um mesmo movimento, processos
que tendem a ser tratados pelos intelectuais de forma isolada e autônoma: a “reforma” do Estado, a
reestruturação produtiva, a questão social, a ideologia neoliberal e concepções pós-modernas.
- A hipótese é que na raiz da “questão social” na atualidade, encontram-se as políticas
governamentais favorecedoras da esfera financeira e do grande capital produtivo.
- Nesse contexto, a “questão social” é mais do que pobreza e desigualdade. Ela expressa
a banalização do humano, resultante de indiferença frente à esfera das necessidades
das grandes maiorias e dos direitos a elas atinentes.
- 3 Direitos e Competências profissionais: a tensão entre projeto profissional e
trabalho assalariado
- Os princípios éticos norteadores do projeto profissional estão fundados no ideário da modernidade, que apresenta
a questão central da liberdade do ser social no coração da reflexão ética;
- ser social que se constitui pelo trabalho e dispõe de capacidade teleológica consciente, afirmando-se como produto e sujeito da história.
- Mas é preciso considerar que a ordem burguesa é em seu cerne contraditória: ao mesmo tempo em
que fornece as bases históricas para o desenvolvimento de demandas vinculadas à liberdade
(direitos, garantias sociais e individuais, autonomia, auto-gestão), simultaneamente bloqueia e
impede sua realização.
- Sabemos que a cidadania não é dada aos indivíduos de uma vez para sempre e não vem de cima
para baixo, mas é resultado de lutas permanentes, travadas quase sempre a partir de baixo, pelas
classes subalternas. As demandas de grupos e classes sociais prefiguram direitos que só são
satisfeitos quando assumidos nas e pelas instituições do Estado, que asseguram uma legalidade
positiva, atribuindo-lhe uma dimensão de universalidade.
- Os direitos sociais foram negados durante muito tempo – o que se atualiza hoje pelos expoentes do
neoliberalismo –, sob alegação de que estimulam a preguiça, violam o direito individual à
propriedade e estimulam o paternalismo estatal.
- Por tudo isso, a ampliação da cidadania – esse processo progressivo e permanente de ampliação de
direitos – termina por se chocar com a lógica do capital e expõe a contradição entre cidadania e
classe social: a condição de classe cria deficits e privilégios, que criam obstáculos para que todos
possam participar, igualitariamente, da apropriação de riquezas espirituais e materiais, socialmente
criadas.
- Ao debruçar-se sobre o dever ser, a reflexão ética não é neutra: é sempre compromissada com
valores que dizem respeito a determinadas projeções sociais, que têm protagonistas
histórico-sociais efetivos.
- A efetivação desses princípios remete à luta, no campo democrático-popular, pela construção de
uma nova ordem societária. E os princípios éticos, ao impregnarem o exercício cotidiano, indicam
um novo modo de operar o trabalho profissional, estabelecendo balizas para a sua condução nas
condições e relações de trabalho em que é exercido e nas expressões coletivas da categoria
profissional na sociedade.
- O que merece destaque é que o projeto profissional não foi construído numa perspectiva
meramente corporativa, voltada à autodefesa dos interesses específicos e imediatos desse grupo
profissional centrado em si mesmo.
- Ele permite elevar esse projeto a uma dimensão de universalidade, a qual subordina, ainda que não
elimine a dimensão técnico-profissional, porque estabelece um norte quanto à forma de operar o
trabalho cotidiano, impregnando-o de interesses da coletividade ou da “grande política”, como
momento de afirmação da teleologia e da liberdade na práxis social.
- os projetos profissionais são indissóciáveis dos projetos societários.
- O caráter ético-político do projeto em questão tem consequências: supõe uma visão de
mundo, articulada a uma ética correspondente e se liga à ação no sentido de interferir no
comportamento dos homens no enfrentamento dos conflitos sociais. Por meio da luta hegemônica,
os assistentes sociais enquanto cidadãos e trabalhadores tornam-se parte de um “sujeito coletivo”,
que partilha concepções e realizam, em comum, atos teleológicos articulados e dirigidos a uma
mesma finalidade, como parte da comunidade política.
- O Serviço Social foi regulamentado como uma “profissão liberal” dela decorrente os estatutos legais
e éticos que prescrevem uma autonomia teórico-metodológica, técnica e ético-política à condução
do exercício profissional.
- O assistente social lida, no seu trabalho cotidiano, com situações singulares vividas por indivíduos e
suas famílias, grupos e segmentos populacionais, que são atravessadas por determinações de
classes. São desafiados a desentranhar da vida dos sujeitos singulares que atendem as dimensões
universais e particulares, que aí se concretizam, como condição de transitar suas necessidades
sociais da esfera privada para a luta por direitos na cena pública, potenciando-a em fóruns e espaços
coletivos.
- 4 Desafios ao Serviço Social na cena contemporânea
- Somos, no Brasil, cerca de 82.000 assistentes sociais ativos, o segundo maior
contingente mundial, só superado pelos EUA – com 150 mil profissionais
- A hipótese é que o crescimento do contingente profissional, ainda que reflita a expansão do
mercado de trabalho especializado, poderá desdobrar-se na criação de um exército assistencial de
reserva.
- A massificação e a perda de qualidade da formação universitária estimulam o reforço de
mecanismos ideológicos que facilitam a submissão dos profissionais às “normas do mercado”,
redundando em um processo de despolitização da categoria, favorecido pelo isolamento vivenciado
no ensino à distância e na falta de experiências estudantis coletivas na vida universitária.