CONTO DE MISTÉRIO
O Grande Mistério
Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto) Há dias já que buscavam uma explicação para os odores esquisitos que vinham da sala de visitas. Primeiro houve um erro de interpretação: o quase imperceptível cheiro foi tomado como sendo de camarão servido no jantar.
Mas comeu-se o camarão, que inclusive foi elogiado pelas visitas, jogaram as sobras na lata do lixo e — coisa estranha — no dia seguinte a sala cheirava pior.
Os patrões chamaram a arrumadeira às falas. Que era um absurdo, que não podia continuar, que isso, que aquilo. Tachada de desleixada, a arrumadeira caprichou na limpeza. Varreu tudo, espanou, esfregou e a única coisa que achou foi a boneca de Giselinha - filha dos patrões - embaixo da mesa. Vinte e quatro horas depois, a coisa continuava, porém com um cheiro ainda mais forte.
Á noite, quando o dono da casa chegou, passou uma espinafração geral:
— Se eu pago empregadas para lavar, passar, limpar, cozinhar e arrumar, tenho o direito de exigir alguma coisa. Ou sai o cheiro ou saem os empregados.
Reunida na cozinha, a criadagem confabulava.
Os debates eram apaixonados, mas num ponto todos concordavam: ninguém tinha culpa. A sala estava um brinco; dava até gosto ver. Mas ver, somente, porque o cheiro era de morte.
Então alguém propôs encerar. Pela manhã ainda ninguém se levantara, e a copeira e o chofer enceravam sofregamente, a quatro mãos. Quando os patrões desceram para o café o assoalho brilhava. O cheiro da cera predominava, mas o misterioso odor, que há dias intrigava a todos, persistia, a uma respirada mais forte.
Apenas uma questão de tempo. Com o passar das horas, o cheiro da cera — como era normal — diminuía, enquanto o outro, o misterioso — estranhamente, aumentava.
A patroa, enfim, contrariando os seus hábitos, tomou uma atitude: desceu do alto do seu grã-finismo com as armas de que dispunha, e com tal espírito de sacrifício que resolveu gastar os seus perfumes. Quando ela anunciou que derramaria perfume francês no tapete, a arrumadeira comentou com a copeira:
— Madame apelou para a ignorância.
E salpicada que foi, a sala recendeu. A sorte estava lançada. Madame esbanjou suas essências. Na hora do jantar a alegria era geral. Mas restavam dúvidas de que o cheiro enjoativo daquele coquetel de perfumes era impróprio para uma sala de visitas.
Mas eis que o patrão, a noite, acordou com sede. Levantou-se cauteloso, para não acordar ninguém. No meio caminho sentiu que o exército de perfumistas franceses fora derrotado. O barulho que fez daria para acordar um quarteirão, quanto mais os da casa, os pobres moradores daquela casa, despertados violentamente, e que não precisavam perguntar nada para perceberem o que se passava. Bastou respirar.
Hoje pela manhã finalmente, após buscas desesperadas, uma das empregadas localizou o cheiro. Estava dentro de uma jarra, uma bela jarra, orgulho da família, pois tratava-se de peça raríssima, da dinastia Ming.
Apertada pelo interrogatório paterno Giselinha confessou-se culpada e, na inocência dos seus 3 anos, prometeu não fazer mais.
Não fazer mais na jarra, é lógico.
Adaptado de: <http://www.releituras.com/spontepreta_misterio.asp.> acesso em 19/04/2016
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